É muito triste que tenhamos poucas boas história sobre inquisição às bruxas. Tirando o interessante e polêmico As Bruxas de Salém, com Daniel Day-Lewis e Winona Ryder, é difícil lembrar de outros bons títulos.
Dirigido e corroteirizado pelo argentino Pablo Agüero (Eva Não Dorme), o longa-metragem é uma espécie de releitura do obscuro Akelarre, filme basco lançado nos anos 1980 e dirigido por Pedro Olea que mostrava o embate cultural e religioso entre povos católicos com a cultura basca.
Inspirado na caça às bruxas promovidas no início do século XVII pelo juiz Pierre de Lancre (popularizada pelo historiador francês Jules Michelet), “Silenciadas” é mais uma produção espanhola (em parceria com França e Argentina) que chegou dia 11 de março Netflix em 2021.
O longa segue de um grupo de amigas acusadas de bruxaria após a participação em uma festa em seu vilarejo, temos aqui quase um exercício de desenvolvimento de um clímax, poderoso e capaz de deixar uma vistosa (e virtuosa) impressão final ao espectador.
Agüero se vale de tintas mais modernas, como a relação amigável entre as protagonistas. Até mesmo mostra a frequente culpabilização das mulheres por coisas que fogem de seu controle ou que lhes são de direito — a beleza, a amizade, a dança, a diversão. É um filme interessante de ser visto agora, em plena era Me Too, podendo ser compreendido e interpretado profundamente, mostrando o valor dos movimentos feministas e sua importância para a geração de hoje.
O jovem elenco segura bem todo o peso dramático, até porque são muitos os momentos em que a tensão de fatos são expressas em monólogos – ou a partir da abordagem inquisidora de Rostegui, vivido por Alex Brendemühl.
O cuidado técnico visto em todos os 90 minutos é exemplar. Principalmente a fotografia esplêndida de Javier Agirre (do excelente e surpreendente Handia). Com seu jogo de luzes, o filme rapidamente ganha um tom fantasioso que faz toda a diferença. Isso sem falar da ambientação, restrita e certeira em suas intenções.
A lição trazida no filme, infelizmente, parece nunca envelhecer. Previamente condenadas, convivendo com o olhar inquisitorial da sociedade e aguardando o rótulo de bruxa louca, amante do diabo. “Silenciadas” não quer olhar o passado, porque acredita não ser necessário qualquer anistia às suas personagens. É apenas uma potente história sobre vozes que o destino reservou dia e hora para calar. O desafio, então, é tentar voar o mais alto que puder.